2006/04/14
SHOW MOST GO ON
No reprodutor de “CD” a voz do Fredie cantava: “Quem quer viver para sempre” e eu traduzia as palavras, já que a alma da canção tu percebias profundamente.
“Não há tempo para nós, não há hipótese para nós”.
“Quem consegue amar para sempre ?”
“Quem quer viver para sempre ? “
Depois outro tema: “O espectáculo tem de continuar”
“Lá fora extravaso a imagem da alegria, mas cá dentro o meu coração está feito em bocados, mas o espectáculo tem de continuar”.
Foram os últimos momentos que compartilhámos, para além das palavras, para além do tempo, para além do espaço, mal sabia eu que tinhas decidido por termo a um drama que te atormentava e resolveras voar rumo a um infinito que te esperava.
O Fredie já tinha partido nessa altura, mas a voz permanecia teimosamente a dizer que era absolutamente necessário que o espectáculo continuasse.
De repente senti-me nu e só num palco que me apertava com uma solidão gelada e cinzenta.
Mas tu sabias que ias partir em breve e ias deixar um vácuo difícil de preencher, um silêncio negro de palavras que não mais iria compartilhar com ninguém.
Saíste de cena por opção de acabar um melodrama feito de incompreensão e eu fiquei por aqui num monólogo patético, porque o espectáculo tinha de continuar, mesmo que no fim ninguém estivesse lá para aplaudir.
Sei agora que “para sempre” é demasiado tempo, e esta necessidade de que o espectáculo continue, vai cansando, porque nem sempre se pode representar uma peça que não deveria ser esta, com um final que não deveria ser este e, então, apetece fazer cair o pano em plena cena e gritar:
- Que se dane o espectáculo, porque eu não quero que continue, estou farto, entendem ?
Tu tiveste a coragem de não querer viver para sempre e deixar uma representação que detestavas.
Um dia talvez nos voltemos a encontrar, lá onde o Fredie nos vai dizendo que “deve haver um Céu para toda a gente”, lá onde se pode viver para sempre num espectáculo diferente e que vale a pena continuar.
Abrantes, 28 de Novembro de 2003
Eduardo Ramos de Morais
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