2006/04/14

A COVINHA NA AREIA


Aqui existia uma bela vila de pescadores, com casas baixas, pacata e rude como a sua gente.

Gente sofrida, leal e orgulhosa, altaneira como as proas dos barcos com que sulcavam o mar em busca do peixe, seu principal ganha-pão.

Nesse tempo a Costa da Caparica era a Praia do Sol, dunas altas que em declive, primeiro abrupto, depois suave, davam lugar a um imenso areal que emoldurava aquele festival de azul em que o mar e o céu se faziam perder de vista no horizonte.

Hoje parece que o areal foi diminuindo de extensão à medida que aumentava o número de pessoas que o iam pisando, como se cada um fosse gastando um pouco de praia em cada visita.

Mais uma vez o homem interagiu com o que não conhecia, dragou areias na foz do Tejo, as correntes modificaram-se e, qual castelo de areia, a duna desmoronou-se a praia desapareceu e agora há uma muralha de pedregulhos a segurar o mar.

Mais uma vez o que era lindo passou a ser artificial, tal como a vila que é agora um bairro dormitório, uma floresta de betão.

Como dizia o saudoso Mestre Pintor Manuel Lima: “Este País é tão maravilhoso e tão especial que é uma pena ser habitado”.

Mas em 1956 eu tinha quatro anos, estava em perfeita harmonia com aquela paisagem que me rodeava e me fazia sentir entre o grão de areia e o infinito.

E depois aquela imaginação que voava tão alto e tão longe, aquele sonhar tão profundo que era quase realidade.

Naquele dia abri uma pequena cova na areia, a alguns metros do mar, depois com o meu balde comecei a trazer agua para aquele pequeno buraco.

A cena foi-se repetindo, balde a balde, minuto a minuto, horas a fio.

Na minha mente de criança eu acreditava que se não desistisse conseguiria pôr o mar todo dentro da minha cova.

A minha mãe bem me tentou explicar que o mar era tão grande e a minha cova tão pequena que nunca conseguiria, por muitos anos que vivesse e muitos baldes que transportasse, pôr o mar todo ali dentro.

Mas na minha ideia, se eu conseguisse passar o mar para o meu buraco, poderia caminhar pela areia até ao céu azul que lá ao longe parecia tocar no mar.

Hoje estou aqui a olhar o horizonte, estou aqui em cima desta muralha batida pelo mar, mas estou a tentar localizar onde era a tal covinha para onde eu queria transportar os oceanos.

Hoje sei que a minha covinha não podia receber tanto mar, também percebi que o meu cérebro é pequeno demais para abarcar o infinito, mas ao longo dos caminhos da minha memória, vai sempre existir uma criança que teimosamente vai continuar a ir encher de mar azul a covinha da minha imaginação.


Abrantes, 6 de Fevereiro de 2006
Eduardo Ramos de Morais

1 comentário:

A Burra Nas Couves disse...

Pois é, eu também me lembro de me deixar cair do alto das dunas da Costa da Caparica, onde fui por primeira vez com 15 dias de idade. Estamos a ficar velhos, é o que é!