2006/04/14

DE QUANDO EM VEZ


De quando em vez , bates à porta da minha imaginação e entras, como fumo branco, a preencher todos os cantos, invades os neurónios e ficas a olhar, profunda e reprovadoramente, com a dureza a transparecer desse sorriso amargo que não é mais do que uma recordação de despedida.
De quando em vez, vens apagar os meus sonhos e projectos e deixas lágrimas a povoar os meus sorrisos, sinto então quanto é falsa essa felicidade de plástico que teimo em construir, no alto de colinas de nuvens.
De quando em vez, sinto profundamente o peso dos impossíveis, no entanto, vives um pouco aqui, como se eu fosse casa e recusas-te a sair, como se fizesses parte das traves do meu cérebro.
De quando em vez, a recordação do som da tua voz, do teu olhar, do calor das tuas mãos e a textura do teu corpo, como um banho de mar num dia quente.
De quando em vez, o descobrir não seres os braços que me abraçam, os lábios que me beijam, as mãos que me percorrem e o procurar que não encontro.
De quando em vez, o desespero, o tédio e a angustia de não conseguir pensar senão em ti nem fugir do sonho que povoas. Então percorro a noite num sonambulismo louco, dentro do pesadelo e a miragem desfaz-se, grito, imploro e, pateticamente, pergunto para mim um porquê, sofrido e mudo, a fogo gravado no meu ser mais profundo.
De quando em vez, sei que te amo, mas não quero, sei que te quero sem querer.
De quando em vez, há alguém que me faz sentir que vivo, alguém me dá algum valor ou, direi antes, amor ?
De quando em vez, há alguém que me faz ver o que perdi, na percepção do que nunca mais terei.
De quando em vez, se tu soubesses, como te amo e odeio, como te adoro, te tenho raiva e detesto no carinho que sinto e te não dou, no amor que me extravasa e tu não queres.
De quando em vez, sinto vontade de morrer, mas afivelo a máscara, congelo os sentimentos e dou um pouco de mim, espalhado ao vento, feito saldo e desbarato a quem quiser assistir à liquidação total das minhas linhas mestras.
De quando em vez, teimo em viver, ser duro e forte como uma rocha e imagino que, se um dia me vieres a encontrar, verás a felicidade a vestir um infeliz e o meu coração terá um “iceberg” a rodear o fogo que o envolve.

Lisboa, 07 de Outubro de 1983
Eduardo Ramos de Morais

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