Olhava para ti e via a minha imagem de outras eras, reflectida num espelho embaciado.
Ali estavam os meus jogos de palavras, as minhas peças de teatro, as ilusões da minha imaginação, as realidades etéreas do meu coração vagabundo.
O tempo dilatava-se em infinitas nuvens brancas recortadas no azul, mudando de forma, dimensão e consistência, ao sabor dos ventos caprichosos da minha imaginação.
O céu e o inferno, o amargo e o doce, a paz e o mal-estar fundiam-se numa sensação de prazer e tédio, de presente e passado, no desejo de um futuro que não tinha possibilidade de acontecer.
Estávamos ali, no fluir da palavra, na comunhão do pensamento, refreando o corpo e controlando as emoções e os impulsos que variavam entre amor e ódio, entre a raiva e o carinho, um quadro mesclado de cores frias e quentes que iam da harmonia total à completa ausência de cor, por entre brancos e cinzentos.
Estávamos ali, parados num tempo que era apenas uma invenção real das nossas mentes diluídas, como numa cena de drama ou comédia, escrita para dois personagens reais ou imaginários.
Estávamos ali, como quem quisesse viver a vida toda num dia ou numa hora, como se o amanhã nem sequer pudesse ter hipótese de existir.
Estávamos ali, espectadores do "outro eu" que ria e chorava do outro lado do espelho embaciado, como um sátiro a gozar perdidamente com o desfalecer de dois náufragos que nem sequer tinham uma praia à vista para sobreviver.
Estávamos ali precisamente no centro de nós olhando um Sul longínquo, com vontade de perder o Norte, e deixar correr o tempo numa decisão de ficar e partir.
Estávamos ali arrependidos do que não fizemos e com medo de começar uma guerra que provocaria danos irreparáveis no mundo que nos rodeava, por um capricho que forçosamente não iria durar muito.
Olhava para ti, via os meus olhos reflectidos na profundidade de um lago que começava no meu coração e acabava num infinito de luzes violetas e azuis, lá onde começa a liberdade de ser e estar.
Olhava para ti e via-me através dos teus olhos como ser incompleto a que me faltava eu e talvez um pouco de ti como um dia de Sol quente em pleno Outono.
Olhava para ti e via a razão porque os meus sonhos me tinham passado por entre os dedos com areia fina solta ao vento.
Estávamos ali fechados num pentágono defensivo, fechados em espirais de fumo e em pensamentos que voavam algures entre o mar interior e o céu em expansão.
Estávamos ali a olhar um horizonte irreal de verdes azuis mesclados com as brumas do tempo, com uma Senhora a chorar um filho que tinha morrido por todos nós e que não tínhamos sabido merecer.
Olhava para ti e via Rodolfo, cavaleiro Templário, a brandir a espada com o braço esquerdo e a ferir de morte Rui que lhe tinha tirado a vontade de existir ao matar sua mulher Inês.
Olhava para ti entre o aqui agora, o antes aqui e o infinito lá onde me quero elevar.
Estávamos ali enganados no espaço e no tempo, como as gaivotas que por ali voavam, longe do seu mundo real e do mar a que pertenciam.
Estávamos ali a representar o último acto de uma peça com duas personagens, um acto por escrever, as frases feitas de improviso a conduzir o texto para vários desfechos possíveis, com lágrimas e risos, mas conscientes que este sonho teria sempre um despertar gelado para uma realidade chamada Impossível.
Olhava para ti e via tudo o que queria ver e teria preferido ignorar, afinal a alma gémea estava ali e eu amava-a como a mim mesmo e, ironicamente, detestava-a como a mim mesmo.
Olhava para ti, como vício incontrolável e ressacava de privação quando não estavas mas, simultaneamente, desejava que não viesses e, sobretudo, que não demorasses.
Olhava para ti, estávamos ali a fechar a espiral de um voo que durou apenas o tempo de uma flor, uma rosa cor de laranja, sem espinhos, rodeada de verde, salpicada de branco, a flor esperada que vai durar para além da realidade, para além do sonho, para além de mim.
1 comentário:
Espectacular.
Parabéns, oxalá já tenhas encontrado a tua Alma Gémea.
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