Pertenço a esta espécie que se preocupa em rotular as coisas e, sobretudo, a traduzir em números e medidas o mundo que a rodeia, ao ponto de os algarismos tenderem a ser mais importantes que o alfabeto.
Por isso, tem sempre que haver um princípio, um meio e um fim, mesmo quando tentamos descrever o infinito, como escreveu o apóstolo S. João: "No princípio era a Palavra e a Palavra estava com Deus"...
Poderemos então depreender que o Pai, como infinito tem como essência a Palavra e não a dimensão.
Tudo isto para dizer que o meu lado sonhador teve um princípio:
No princípio havia uma lancha de fundo chato, encalhada na praia da minha infância, uma lancha pintada de azul celeste, com uma fina risca vermelha que partindo da popa, marcava uma linha de contraste a culminar naqueles olhos pintados à proa que a faziam parecer ter vida própria.
Como não tinha nome, apesar de todo aquele azul, passei a identificar aquele ser inanimado como o barco encarnado
Acreditem, ou não, aquela lancha sem sair do areal, viajou um milhão de milhas marítimas nos oceanos do meu sonho.
Recentemente estive no mesmo lugar, a praia já não existe e ao que me foi dado saber já ninguém se recorda do "barco encarnado", existe apenas um silo de cereais que comporta "n" toneladas de trigo e tem escrita a sigla "EPAC" que eu traduzo como: Estamos Perante uma Aberração Consentida.
Apesar de tudo, dei comigo a navegar no meu barco encarnado, saindo a barra, cercado de gaivotas e golfinhos, rumo ao infinito mais recôndito do meu imaginário.
No principio do meu sonho feito barco, era o infinito feito mar, o horizonte feito azul, a imaginação feita palavra, a tal Palavra que no princípio e no fim do infinito, continua a estar com Deus para alem do mensurável.
Abrantes 22 de Abril de 2001
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